quarta-feira, setembro 08, 2004

Portugal Real - Maria e Alda

Esta é a estória de duas mulheres reais, actualmente a viver em Inglaterra, cujos nomes não são verdadeiros mas os seus percursos actuais são reais. Este é o Portugal Real.

Alda tem 31 anos, Maria 33. Ambas nasceram perto de Aveiro, Alda numa família de classe média, o pai era encarregado-geral numa fábrica, a mãe tinha uma loja de vestuário. Tinha um irmão mais novo, que mais tarde se formou em engenharia. Os pais de Maria não eram tão abonados, nascida num lugar perdido entre Aveiro e Águeda, Maria tinha os três irmãos para brincar e os pais para aturar de uma vida dura nas obras e na lavoura.

1992. Maria tem 21 anos e Alda 19. Neste ano Maria, inteligente mas cujos pobres recursos financeiros não lhe permitem seguir os estudos para a Universidade, trabalha num Lar de Idosos como administrativa-que-faz-de-tudo e namora há dois anos com Fausto, vendedor cheio de lábia que encanta Maria mas por trás vai traindo-a. Nesta altura Alda, caloira em Coimbra, conhece Paulo, ilustre veterano "bon vivant" do curso de Física. Amor à primeira vista e os dois embarcam numa vida de noitadas, alcool e sexo, com o natural prejuízo do aproveitamento escolar de Alda.

Dois anos passam, Maria, casada há um ano e agora a trabalhar na função pública, muda-se para Cacia, as reuniões tardias de Fausto começam a rarear e ela finalmente acha possível ter um filho e imagina-se a dar-lhe tudo aquilo que sempre imaginou para si. Alda por seu lado, apesar da pressão dos pais em retomar "a sério" os estudos, não consegue ter o aproveitamento desejado, mesmo vivendo longe de Paulo (neste último ano os pais obrigaram-na a transferir-se para a Universidade de Aveiro) continua "com a cabeça na lua" como diria a sua avó.

Estamos no ano guterrista de 1996 e Alda finalmente convence Paulo a mudar-se para Aveiro, casar com ela e abrir um negócio de neons publicitários (com o dinheiro esprestadado dos seus pais), aproveitando a maré de expansão económica o negócio prospera e ambos decidem comprar uma vivenda perto do centro de Aveiro, para além de ambicionarem muitos outros bens. Também Maria está satisfeita, o seu rebento aprendeu a andar e a atenção dada ao petiz fá-la esquecer as ausencias prolongadas de Fausto.

2001. Fim de ciclo, o ataque às Torres Gémeas em Nova Iorque é o epílogo da prosperidade dos anos 90. Também na vida de Alda e Maria a bonança mostra sinais de ter acabado. No seu 30º aniversário Maria comemora com os filhos, Fausto e a sua família, na festa o irmão mais novo diz-lhe que não tem emprego, as fábricas já não metem pessoal, ao que Maria anima-o dizendo que é uma questão de tempo e assegurando-o que melhores tempos virão.

Alda e Paulo começam a sentir dificuldades em pagar todos os seus encargos, ele é a prestação da casa, do carro, água, luz...Para piorar o mercado dos neons entrou em recessão e as férias a Cuba ou Brasil terão que ficar para uma altura mais desafogada, talvez para o ano, talvez...

Em 2003 a crise continua e Fausto é despedido. "Não atingiu os objectivos" - disseram os patrões. Apesar de não ter trabalho, Fausto sai todos os dias para o café e todos os dias chega um pouco mais tarde. Maria desespera com tais atitudes, afinal o fundo de desemprego de Fausto não se compara ao que ganhava anteriormente (metade do seu ordenado não era declarado) mas ele continua a viver e gastar como se nada tivesse acontecido.

Os problemas de Alda são outros e chamam-se "Fornecedores", "Banco", "Creche", "Seguros", "Hipermercado", todos eles sugam dinheiro e isso é coisa que escasseia, não há encomendas e sem encomendas não há dinheiro. Vendem o Audi comprado em época de vacas gordas mas mesmo assim as dívidas acumulam-se.

Verão de 2004. Afogados em dívidas e sem meios para as pagar, Alda e Paulo alugam o rés-do-chão da casa (sempre ajuda a pagar a prestação da casa) e emigram para Inglaterra. Assim, para além de escaparem da fúria dos credores, pode ser que voltem a recompor a sua vida num país novo e começar de novo.

Maria também emigra para Inglaterra mas por diferentes motivos. Fausto foge para o Brasil com uma nativa e de lá manda os papeis de divórcio para Maria, não sem antes limpar a conta bancária que tinham em comum. Sem dinheiro, um apartamento para pagar, dois filhos em idade escolar e um ordenado pouco superior ao salário mínimo, Maria encontra-se numa situação de desespero, mas como nunca foi de desistir, deixa os filhos ao cuidado dos avós e parte para Inglaterra, onde tem um irmão há ano e meio e onde diz ela, "há-de arranjar um pé-de-meia".

São dois retratos do Portugal Real, daquele que não aparece em Telenovelas com nome de sobremesa nem em revistas cor-de-rosa.


2 comentários:

Anónimo disse...

Sim senhoras, grande episódio.
João Serra

kimikkal disse...

Obrigado pelo comentário, volta sempre!