sexta-feira, novembro 25, 2005
90's Retro - III
Verdade e ficção - Last Days de Gus Van Sant começou por ser o projecto da biografia de Kurt Cobain dos Nirvana mas por opção do realizador, a que direitos de autor não são alheios, passou a ser uma biografia de um rocker cliché, uma espécie de metáfora ao Rock n' Roll Lifestyle.
É dessa incongruência que o filme sofre. Por um lado não é a biografia de Kurt Cobain, mas de Blake, um cliché do rock. Tal opção deu lugar a uma maior liberdade artística ao autor, mas perdeu também a importância documental de um The Doors de Oliver Stone. Por outro lado é demasiado marcado pelas idiossincrasias dos últimos dias do vocalista dos Nirvana, o que obriga a estar minimamente a par de quem era a figura para compreender o filme.
Assim e como este assunto andava a fazer-me comichão mental há uns dias, decidi averiguar o que é biografia do maior mito dos anos 90 e o que é cliché:
- Kurt Cobain (KC) passou os últimos dias a viver numa casa degradada com amigos. Falso. Se no filme existem umas criaturas/amigos a viver na mesma casa, ele na realidade passou os últimos dias sozinho na sua rica mansão em Seattle.
- KC vagueou na floresta. Possível. Quem cresceu perto de bosques, como no caso dele, poderia gostar de deambular por lá.
- Muitos elementos querem falar com ele. Verdadeiro e Falso. Enquanto no filme ninguém sabe ao certo o seu paradeiro, na realidade tal não foi verdade. Mas os apelos ao regresso para terminar a tournée de certeza que existiram. Money talks. Aqui está uma das razões para o suicídio. A pressão para continuar quando a vontade já não existia.
- A roupa interior feminina e maquilhagem. 100% KC. Como ele dizia: "É preciso ser-se muito homem para reconhecer o nosso lado feminino".
- Armas. Verdade. Era conhecido o fascínio de KC por armas, nomeadamente pistolas.
- O discurso imperceptível. Verdade. KC nunca foi conhecido pela grande retórica, preferindo ouvir a ter de usar a sua voz de tom baixo. Não é por acaso que em entregas de prémios ou entrevistas era Dave Grohl (baterista e cola que emprestou consistência à banda) e principalmente Krist Novoselic (o palhaço/cara-metade de KC) que falavam pela banda. Para além disso, é preciso não esquecer que semanas antes KC tinha tido uma overdose que o deixou em muito mau estado e levou inclusivamente ao final antecipado da digressão na Europa.
- As personagens secundárias. Verdade e Falso. Sente-se no filme as personalidades dos outros elementos da banda e de Courtney Love, apesar de nenhuma se apresentar como tal. Uma das criaturas que vive na casa faz lembrar Novoselic por ser das poucas pessoas que consegue compreender e comunicar com KC, Grohl aparece na forma da personagem que acompanha o detective, na expectativa de recuperar os cacos de Blake e voltar à digressão. Courtney Love não se vê mas pressente-se quando falam em "ELA", a que contratou o detective. A figura materna é uma grande incógnita, pois KC deixou referências contraditórias relativamente à mãe, não sendo certo que se dessem tão bem como o filme deu a entender. Pelo contrário, o filme falha em referir a filha apenas uma vez, pois é sabido que KC tinha uma forte relação com Frances. Segundo colegas de KC, ele transfigurava-se quando ela estava presente, tornando-se uma espécie de "pai-coruja".
- A música acústica perto do final. Verdade. KC tinha dito depois do MTV Unplugged que o próximo disco seria mais acustico. Talvez as ideias de KC andassem perto da música interpretada no filme...
Conclusão: A morte de KC começou a desenhar-se a partir do momento em que saiu "Nevermind". KC não estava preparado para tanto sucesso e provavelmente nunca o desejou, até que chegou a uma altura em que a "máquina" o devorou e deixou de ter vontade em viver. Exemplo disso foi o título do terceiro disco, KC queria que se chamasse "I hate myself and i want to die", mas outras pessoas acharam o título muito negativo e acabaram por escolher "In Utero".
O sucesso destruiu a vida dele por uma razão muito simples: heroína, antes consumia 10$ por dia porque não tinha dinheiro para mais, depois passaram a ser centenas de dólares para a veia. E cada vez em maior quantidade. Pode-se até dizer que foi para o "vício" que KC levou os lucros do sucesso, a mansão foi comprada com/por causa de Courtney Love, KC continuou a conduzir o Volvo de 20 anos da avó, antes e depois de "Nevermind".
Por isso é que "Sliver" é tão premonitório. Ele só queria ficar em casa, isolar-se do estatuto de rock star e passar ao lado do mundo. Curiosamente no vídeo dessa musica aparece a filha. Talvez a única coisa que o prendia a este mundo.
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