sábado, junho 03, 2006

O Triângulo, cap. III

Triângulo Escaleno - Três lados com medidas diversas originando ângulos diferentes.

Após a meia-hora de espera do costume, o jantar da empresa começou e o grupinho de Carolina sentou-se num canto da mesa, longe do olhar inquisidor da secretária do patrão. Já com os martinis oferecidos pelo Rui a fazer algum efeito, Carolina sentou-se ao lado dele com um sorriso colado à cara, que por vezes era interrompido por gargalhadas motivadas pelas palermices do Rui e alimentadas com o verdinho da casa.

Seria do verdinho, seria da companhia, certo é que Carolina sentia-se longe de preocupações, o mundo estava longe dali e sentia-se confiante. Tal já não acontecia há muito tempo, a mudança para o Canidelo, o deixar a família, os amigos (Os amigos do Fernando nunca lhe inspiraram confiança), não foi fácil. E um Fernando absorvido no trabalho também não ajudava...Parecia que passava mais tempo no computador do que com ela...Mas isso agora estava longe.

Sente o telemóvel vibrar. Uma chamada. Tira-o da carteira e prepara-se para ver o número quando o Rui tira-o da mão. "Dá-me o telemóvel!!!" - Disse, com voz de menina de birra. "Não dou!"- responde o Rui, em tom brincalhão. "Ai queres conversa..." - Pensou Carolina. Decidiu alinhar na brincadeira, tentanto agarrar o seu "bichinho", como carinhosamente lhe chamava.

Entretanto Rui levanta-se e corre para o WC. Carolina segue-o até à porta. "Então, não o queres?" - perguntou Rui em tom de desafio. "Quero!!!" - Respondeu Carolina. "Então anda cá buscá-lo!..." - desafiou Rui. Carolina soltou algumas gargalhadas cínicas e o Rui voltou à carga: "Bem, parece que amanhã já tenho um telemóvel para vender na Vandoma...".

Em situações normais, Carolina esperaria que ele saísse, mas naquele momento as convenções e o mundo estavam lá longe...E entrou.

"Dá cá!...Dá-me..." - dizia Carolina enquanto tentava tirar-lhe o telemóvel, tal como fazia quando era pequena e lhe acenavam com um doce. Sem dar conta, o seu corpo estava colado ao Rui (Não era difícil, aquele cubículo era exíguo...) e este encostou-a à parede, com um braço na cintura dela e o outro no ar segurando o pretexto daquilo tudo...Começou a sentir a respiração dele no pescoço enquanto algo lhe tocava nas coxas...Por longos segundos deixou-se ir, parecia que estava de novo na Faculdade, esses tempos agora longínquos em que descobriu os prazeres da carne...Lembrou-se da primeira vez, lembrou-se do Fernando...

PÁRA!!! PÁRA!! PÁRA! - Gritou Carolina num assomo de culpa depois de empurrar Rui contra a outra parede.


Depois de se ter oferecido para barman e distribuido bebidas pelas suas meninas (era assim que a sua mente chamava as colegas), chegou finalmente a hora de jantar. Carolina estava especialmente bonita naquela noite, e ainda por cima com aquele decote..."Ai se não tivesses dono..." - pensou Rui para os seus botões.

O tempo decorria e o vinho escorria, especialmente no copo de Carolina, sim que ele encarregava-se disso. Naquela noite ela parecia-lhe diferente, mais solta, mais...receptiva? Era esta a interrogação com que Rui se debatia quando a viu pegar no telemóvel.

"Não me digas que é o gajo a controlá-la..."- pensou, ao mesmo tempo que a sua mente lhe rogava uma praga. Quando viu o telemóvel, Rui teve a única atitude passível (a seu ver) de evitar que o cromo do namorado estragasse o momento. Roubou o telemóvel a Carolina para que esta não atendesse a chamada.

"Dá-me o telemóvel!!!" - Diz Carolina, com voz de birra. "Não dou!"- respondeu o Rui. Carolina tentou agarrar o telemóvel, o qual tinha parado de tocar. Entretanto Rui levantou-se da mesa e foi para o WC. "Agora quero ver..." - pensou em tom malicioso. Pouco depois ouve uma voz dizer: "Anda lá, dá-me o telemóvel, ás tantas é o meu namorado...". Rui sorriu com malícia. "Então não o queres?" - perguntou em tom de desafio. "Quero!!!" - Respondeu Carolina. "Então anda cá buscá-lo!..." - desafiou, voltando depois à carga: "Bem, parece que amanhã já tenho um telemóvel para vender na Vandoma...".

"O isco está lançado, vamos ver se ela morde..."

Qual não foi a sua surpresa quando a porta se abriu de repente e entrou Carolina, fechando de imediato a porta.

"É lá, queres ver que...bem, isto promete." - pensou. "Dá cá!...Dá-me..." - dizia Carolina enquanto tentava tirar o telemóvel, colando o seu corpo ao do Rui.

"É agora!" - Rui não aguentou mais e encostou-a à parede, disposto a acabar com aquele jogo do rato e do gato que já durava há meses...Com um braço agarrou-lhe a cintura e com o outro segurou no ar o telemóvel.

Carolina não reagiu aos seus avanços, o que lhe deu coragem para prosseguir...Desceu a mão que estava na cintura e com a outra mão meteu o telemóvel a um canto, dirigindo-se esta para os seios, isto enquanto beijava o pescoço dela...

PÁRA!!! PÁRA!! PÁRA! - Gritou Carolina ao mesmo tempo que empurrou Rui contra a parede..


Chegou o momento do grande encontro. Depois de fugazes experiências em Portugal, Fernando ia ter finalmente dois dias à grande: Sexo ininterrupto e sem limites.

Bem sabia que as mulheres seriam na sua maioria prostitutas e que nem sempre os encontros combinados por Forum ou Chat eram o que pareciam. No entanto em Portugal as coisas tinham decorrido sem sobressaltos e não tinha razões para suspeitar que ali as coisas seriam diferentes.

156, Rue de Montesquieu. Um Health Club, como previsto. Tinha recebido instruções para se dirigir à recepção e falar com Madame Chita Perez. "Cubana, de certeza" - pensou.

Depois das apresentações da praxe, acompanhou a Madame no elevador. Tinha-se enganado, afinal não era uma mulata voluptuosa da terra do Fidel, mas sim uma loira de aspecto tropical, natural da Colômbia. "Afinal não é só a Shakira..." - pensou Fernando enquanto soltava um olhar de predador.

Chita acompanhou o cliente ao quarto e convidou-o a instalar-se, informando depois que o Steam Room ia abrir dentro de horas.

Steam Room. Um eufemismo para "Sauna do Sexo", lugar quente e húmido onde os tabus desapareciam e corpos desconhecidos envolviam-se em práticas bissexuais durante horas, onde os fluidos e o cheiro a sexo enojavam uns e excitavam outros. Era lugar de homens e prostitutas "da casa", normalmente imigrantes ilegais, quase sempre obrigadas "À Vida". Por lá apareciam também casais cansados do Swing e em busca de sensações mais fortes.

Conhecia casos de encontros envolvendo crianças, mas isso era para "gente da alta", cheia de capital e pouca moral.

Moral. Que palavra irónica.

Estava Fernando filosofando à volta do assunto no duche quando ouviu barulho no quarto. Parou a água e ouviu vozes. "Mas que raio..."

Embrulhou uma toalha no corpo e lentamente abriu a porta da casa de banho, perdendo de imediato os sentidos.

Acordou de noite num carro, amarrado e com fita adesiva a tapar-lhe a boca. A seu lado estava um homem de feições ameríndias e à frente dois homens discutiam em tom acalorado.

A viatura pára e um dos homens da frente vira-se e diz-lhe:

"Oh cara, se você se portar bem e deixar a gente levantar a grana com os cartões, a gente não lhe faz mal, tá? Tem é de se portar bem..."

Fernando concordou, aterrado. Tiraram-lhe a fita da boca e desamarraram-no, enquanto se dirigiam ao ATM mais próximo.

O brasileiro perguntou-lhe o código e sem saber porquê, Fernando deu-lhe o código errado. "Mas porquê???" - perguntou-se desesperado e temeroso da reacção deles quando soubessem do embuste.

E agora? Esperou poucos segundos e aproveitou uma desatenção para fugir por uma rua transversal.

Depois de ter corrido quase um quilómetro e de já não avistar os assaltantes, parou um pouco para descansar e tentou sem sucesso encontrar alguém a quem pedir ajuda. Já devia ser tarde e o local estava vazio. Nem tudo era mau, tinha avistado uma cabine telefónica.

Ligou para o 112. Nada, parecia ocupado. "Merda, e agora? Pensa, pensa, pensa..."

O único número que lhe vinha à memória era o de Carolina e em desespero de causa, telefonou-lhe.

"Anda lá, anda lá..." - dizia nervosamente.

De repente ouviu passos, virou-se e viu os seus perseguidores a correrem em direcção a ele, tentou fugir mas as pernas não obedeciam, sendo desta vez apanhado por eles. Arrastaram-no para um jardim perto, local onde lhe bateram ao soco e pontapé, enquanto Fernando suplicava soluçando:

" Parem, eu digo, parem, parem...."

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