Imaginemos que um conhecido vosso tem um restaurante e vem ter convosco desesperado a pedir dinheiro, pois já mais ninguém lhe empresta.
Vocês até aceitam emprestar mas, sabendo que o restaurante não é bem gerido, naturalmente apresentam condições, afinal, vocês não são a Santa Casa da Misericórdia e gostavam de reaver esse dinheiro, de preferência com juros, certo?
No meio dessas condições, é natural que vocês façam algumas exigências de mudança na gestão do restaurante que, na vossa condição de outsider, iria ajudar a gerir melhor o restaurante e originar as tais receitas que lhe fariam pagar o empréstimo.
Agora imaginem que o vosso conhecido, que passarei a chamar de Senhor X, ao saber das condições do empréstimo, começa a disparatar dizendo que vocês querem mandar nele e que querem é roubá-lo...
O que é que vocês pensavam logo? Se calhar algo do tipo: "Chiça, que este além de pobre, é mal agradecido!", nascendo na vossa mente muitas dúvidas sobre se ainda queriam emprestar o vosso rico dinheiro a gente tão ingrata.
Estão a ver a analogia entre este caso e o empréstimo da Troika, não estão?
"E o que é que eu tenho a ver com isso?!?!? Não fui eu que pedi dinheiro ao estrangeiro! Eu até nem tenho dívidas...Se nunca as tive, porque é que agora tenho de levar com estas medidas todas de austeridade?!?!?" - Poderão estar agora a pensar alguns de vós.
Voltemos então ao Senhor X.
O Manecas tem 12 anos e é filho do Senhor X e também ele está a sofrer com os problemas do restaurante do pai, pois se antes recebia uma Playstation nova sempre que saía um modelo novo, agora que o restaurante só dá dores de cabeça, os pais do Manecas nem jogos novos lhe dão, quanto mais uma Playstation a estrear...
É injusto? É, até porque não foi ele que pôs o restaurante a perder dinheiro e, no entanto, também ele está a ver as suas expectativas goradas por algo em que ele não teve influência.
Mas o mundo seria bem mais injusto com o Manecas se tivesse nascido no Sudão ou na Etiópia onde ele estaria condenado logo à partida a uma existência bem mais difícil, onde pior do que chegar ao fim do dia e não ter uma Playstation é chegar ao fim do dia e não ter o que comer...É tudo uma questão de perspectiva.
"Então e agora? O que é que fazemos com o empréstimo da Troika?"
Agora temos as mesmas opções que o Senhor X, ou nos queixamos que as (poucas) entidades que estão dispostas a emprestar-nos dinheiro são más e fazemos birra à espera que a tempestade passe, ou então arregaçamos as mangas e vamos à luta, aceitando o dinheiro e respeitando as condições que nos foram impostas.
Se aceitarmos a segunda opção e as coisas correrem bem, melhor para todos, quem emprestou recebe de volta o seu dinheiro, de preferência com juros, quem recebeu fica livre do aperto em que andou e sem dívidas, tendo ainda a vantagem de agora ter uma economia (Ou um restaurante, no caso do Senhor X) rentável e com futuro.
Já se as coisas continuarem a correr mal, há que demonstrar ao(s) credores que mesmo cumprindo escrupulosamente as instruções dadas, o problema continua e que é necessário fazer mudanças para melhorar a situação.
E no meio do mau que é continuar a precisar do dinheiro de quem empresta, a partir do momento em que as medidas dos credores não mudam a situação, a posição do devedor acaba por ser menos desconfortável, pois se antes tinha de ouvir dos credores que "Só deves dinheiro porque não sabes governar-te", agora sempre pode responder: "Sim, que as vossas panaceias também ajudaram muito..."
Co-responsabilização - É essa a palavra mágica.
A partir deste momento, não só é do interesse do devedor sair do aperto, como o próprio credor entende que não vai ser tão fácil assim recuperar o dinheiro e torna-se mais tolerante no que toca a variáveis como prazos, valor da dívida...E isto se quiser recuperar o que já emprestou.
"Então e quanto à corja de aldrabões que nos pôs nesta posição? Não se faz nada?!?"
Bem, voltemos ao restaurante do Senhor X. Para sair do buraco em que se meteram e voltar a ganhar dinheiro, para além de melhorar a gestão do mesmo (comprar mais barato com a mesma qualidade, p/ ex.), é preciso também saber se houve desvios ocultos (vulgo roubos), como por exemplo saber se não havia ninguém a "desviar" garrafas de espumante reserva para beber em casa, se o homem da padaria não se fazia pagar de 100 e só entregava 80, se não haveria clientes a comer "à pala...", tudo isso são custos que obstam à recuperação do restaurante e que se impõem descobrir e, acima de tudo, acautelar para que de futuro não volte a acontecer.
"Então e é assim? Não se castiga quem já comeu estes anos todos à conta do Orçamento (de Estado)?"
Bem, se conseguirmos evitar no futuro estes desvios ocultos (vulgo roubos), já seria muito bom, pois isto aqui não é a Islândia e como sabemos o Bom é inimigo do Óptimo.